sábado, 4 de maio de 2024

Intoxicação alimentar

 Ao fim da tarde há uma brisa como mão a alisar o pêlo do ficcionista da vida real enquanto sussurra obscenidades ao ouvido. O vento tem destas coisas e acorda Insónias. Além do tempo e do espaço. Queima tudo por dentro. Mas a vida não pára e tu não és o que pensavas ser. Tu gajo banal com a cabeça cheia do tal ideal social a surrealizar por aí, estás preso na tua própria rotina, corcunda de camisa engomada e gravata apertada. Desespera-te a quimera. E o futuro é um furo no pneu de um carro desgovernado. É o que é. Uma pouca vergonha. É o que é..porque casa onde falta pão sobra confusão e falta tesão. E o português é um cão melancólico com dúvidas e dívidas e já não sabe se rosna, se morde ou se abana a cauda enquanto o dono não lhe dá com a trela. O tempo é só desastre e esquecimento. Desastre e esquecimento. Alternadamente.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

“O MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS.

Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço de um dia. A noite recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o seu reino não fosse pertença delas, invenção delas. Só a custo, perigosamente, os nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes. Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso amor, assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - e damos com a cabeça nas paredes. Há então os que ganham a ira, os que perdem o amor.” António Forte