quinta-feira, 2 de abril de 2009

Monógo a duas :)


"Por vezes os dias em que ainda nos reconhecemos sobrepõem-se a tudo. E pensamos que não é tarde, que nunca é tarde para procurar a nossa própria realidade, o tempo é uma abstracção. O tempo pode ser uma abstracção mas enfiámo-nos num labirinto sem saída, foi o que o último sonho me disse. Uma estrada, dia cinzento (aliás a cor que me tem acompanhado ultimamente). Desço para um vale e pressinto que a estrada não tem fim. Perto de um conjunto de casas que me parecem abandonadas vejo um homem. Paro. Em vez da palavra estrada sai-me labirinto. Este labirinto não tem fim? Que labirinto? Este, a estrada. É sempre em frente. A resposta será sempre esta. Todos nos dizem para olhar em frente, para continuar o percurso e seguir as indicações que nos dão à partida num mapa arrumado, como tudo o que aliás nos dão.
Somos condicionados desde muito cedo a olhar de uma determinada maneira. Nunca sabemos se o que encontramos é o nosso olhar original e vemo-nos sempre aflitos e desamparados quando queremos pensar com os nossos pobres neurónios. Somos cúmplices de todas as ilusões porque nos são necessárias. Para quem viveu toda a vida na mentira, no equívoco, como é o meu caso, só muito mais tarde começa a descobrir as coisas autênticas. Para quem aprendeu a iludir a dor e a angústia, como é também o meu caso, vê-se completamente perdido quando procura identificar exactamente o que sente. Mas as alternativas que eu encontro no meu percurso não são brilhantes. Não conheço muitas pessoas que analisem a fundo as coisas, o tipo de vida que levam. Mesmo partindo do princípio que cresceram num ambiente realista e autêntico, em que se conhecem as coisas pelos nomes e pela sua função real e não aparente, em que se conhecem as pessoas como são na realidade e não como as imaginamos, em que se aprendem as regras do jogo e se aproveita ao máximo esse conhecimento, não percebo muito bem porque é que isso não se traduz em pessoas mais interessantes e originais. Porque é que a adaptação à realidade não as torna mais autónomas é coisa que não compreendo, talvez mais felizes consigo próprias mas isso será suficiente, não sei.
No fundo nunca me consegui adaptar, não foi por falta de várias tentativas da minha parte e toda a boa vontade da minha parte, mas para isso teria de ter nascido noutra casa, noutro lugar, com um cérebro programável, talvez. Muito mais tarde descobri que foi apenas por um feliz acaso, repito um feliz acaso, que escapei a essa programação. Quem é que quer ser feliz se pode aprender a olhar as coisas e as pessoas de um sem número de perspectivas diferentes. Quem é que se contenta com a simples satisfação consigo próprio quando há imensos abismos a que não se pode fugir. Quando penso que o objectivo do estudo científico das pessoas que frequentei nessa escola estatal é precisamente a adaptação do indivíduo, mesmo que lhe chamem outras coisas como viver em sociedade, etc., e a tal satisfação pessoal, dá-me vontade de rir até às lágrimas. Aprendemos a rir do que nos é mais doloroso, é uma questão de sobrevivência. Aprendemos a rir do que nos vão tirando ao longo do nosso percurso, tudo aquilo que amamos, tudo aquilo que procuramos, até ficarmos entregues a nós próprios e à nossa capacidade de sobrevivência. Fugimos da influência da nossa família que é a mais perigosa, porque se insinua da forma mais subtil com a mesma lógica do poder que vamos encontrar na sociedade. Fugimos da influência dessa sociedade e dessa lógica que nos é imposta desde logo e demasiado cedo. E mais tarde descobrimos que afinal andamos à procura daquilo que mais nos assusta, os afectos e a lógica do poder que as pessoas passam a ter sobre nós e que nós da forma mais hipócrita queremos ter sobre as pessoas. Fugimos do que mais nos ameaça e esquecemo-nos que somos também nós dependentes e manipuladores. Digo da forma mais hipócrita porque me farto de dizer a mim própria que não compreendo nem aceito a linguagem do poder e descubro em mim essa procura de afinidades. E ainda por cima, no meu caso, descobrir afinidades só à distância, talvez porque aprendi a amar personagens e não pessoas, a ver a realidade de uma forma poética e não autêntica. Talvez a distância seja a maior aproximação possível.
Só agora consigo ver o meu afastamento das coisas verdadeiras. A vida é um percurso estranho e sem sentido. Se é que posso utilizar a palavra percurso. Percorrer não tem sido bem aquilo que eu chamaria às sucessivas tentativas de encontrar uma saída, um significado para os labirintos onde me tenho mais ou menos perdido. A palavra adequada é deambular. Deambular tem sido realmente o que eu tenho feito e muito provavelmente o que continuarei a fazer. É a forma que melhor se adapta à minha filosofia. Os labirintos não têm princípio nem fim e não há fuga possível. Nasceste na casa dos monólogos, essa é que é a verdade. A casa dos rituais que impedem qualquer mensagem, que destroem qualquer mensagem. Numa casa assim aprendemos a construir o nosso espaço. Passamos a viver fora de códigos sociais, nada temos a ver com eles. E um dia compreendemos que o nosso percurso, até aí razoavelmente satisfatório para as nossas exigências intelectuais e afectivas, não terá grandes hipóteses de se manter intacto e autêntico. Um dia vêm perturbar a nossa existência com a necessidade de adaptação social. A escola é o primeiro treino e o primeiro desvio no nosso percurso natural. A partir daqui, pelo menos no meu caso, passou a ser uma questão de sobrevivência. É por isso que me considero uma sobrevivente, digo isto para me tranquilizar, repito para mim, és uma sobrevivente, podias ter enveredado pela solução do mimetismo social, repara só no que te podias ter transformado, no que podias ser hoje. Cada vez mais me convenço que o que verdadeiramente interessa na vida só o descobrimos quando saímos dos percursos que nos indicaram.
Este trajecto nem sequer foi uma escolha minha, mas o resultado de um acaso, numa sequência de potenciais acasos, digo potenciais ao pensar em determinadas tendências que nos atraem para este ou aquele percurso. Perdi imenso tempo a tentar recuperar essa realidade e é um sonho ou dois sem nexo que me trazem de volta o que eu pensava ter perdido para sempre (o meu próprio rosto?).
E pensar que essa procura itinerante me levou ao estudo pretensamente científico dos seres humanos! Não sei se fiquei a saber mais do que antes sobre esse assunto, penso até que esse tempo foi tempo perdido, que só me afastou ainda mais da compreensão do que quer que seja que se relacione com a espécie humana. Nada do que fui encontrar nessa escola me aproximou dos seres humanos e muito menos de mim própria. Houve, é claro, uma excepção. E uma determinada aula que vista à distância (ou à aproximação), me abriu várias perspectivas de estudo. Cinco anos a assimilar informações que não são aplicáveis, como os tais mapas muito arrumados que nos dão. Estes professores traduzem até à exaustão os conceitos científicos, que são afinal preconceitos científicos, e os alunos absorvem estes preconceitos para lhes garantir continuidade. Estou a ser também eu preconceituosa, sem dúvida. É a forma mais cómoda de me tranquilizar, digo então, como explicas que antes da tua entrada nessa escola o estudo das pessoas te fascinasse e que depois da tua saída dessa escola te tenha voltado a fascinar?, e como explicas que o estudo científico e organizado não te tenha levado a lado nenhum? E não foi só a sensação desagradável de ter andado a caminhar ao contrário do que queria inicialmente, isto é, ao contrário da minha natureza, foi também ter de fazer um esforço complementar para me libertar de uma data de tiques que sempre nos ficam. Depois dessa experiência procurei evitar tanto quanto possível tudo o que se lhe assemelhasse. Aprendi a identificar com mais facilidade essa violência própria dos especialistas na matéria, essa gente doentia que se distancia dos restantes da sua espécie para os catalogar e arrumar definitivamente. Essa gente é capaz da maior violência sem ter disso consciência, seguram-se aos tais preconceitos científicos. Estes especialistas apenas servem para perpetuar as leis da natureza, as leis sociais contra o indivíduo. A escola simboliza tudo o que vamos encontrar de seguida, a dimensão própria da sociedade, o estilo próprio da sociedade, a violência própria da sociedade."



Revejo-me em tudo neste texto as palavras dela são as minhas aquelas que sempre pensei e nunca disse…estou a pontos de a beijar!! lol

E começa tudo na escola porque na escola ninguém ensina ninguém a entender-se a olhar dentro de si a escutar o outro...a escola tem campainhas para ligarmos e desligarmo-nos, somos autómatos como o cão do Pavlov ao som da sineta nós eternos putos salivamos ou marchamos ao som das campainhas...o importante é competir, colega contra colega, amigo contra amigo, vestir a luva de boxe e civilizadamente ir à luta; o currículo oculto da escola não foi feito para aprender o auto e heteroconhecimento, para estimular a criatividade e a liberdade, mas sim que para que se obedeça acriticamente aos chefes/professores e para que saibamos afinal qual o nosso lugar na sociedade e levamos essa obediência cega para o resto da nossa vida adulta (des)ajustada à loucura da sociedade normalizada standartizada como as maçãs golding de calibre europeu lol...para que não levantemos muitas ondas, para que nos habituemos à falta de sentido e a sermos tristes sem saber porquê, para que definhemos devagar e em silêncio...sempre intuí essa desumanização da escola mas nunca o pude verbalizar sem que me olhassem de lado como um ser doutro planeta alien vá lá, talvez por isso nunca fui, quando criança grande “aluna" nem já crescida grande “educadora”, mas sim mais uma reles sabotadora do sistema de ensino :)

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